Homenagem a mais um inspetor, orgulhosamente
O verdadeiro vigilante rodoviário
* Por Inspetor D. Lucas Barbosa
Certa vez, no ano de 2002, recebemos na sede do DPRF o Vigilante Rodoviário Carlos Miranda, que nos 60 e 70 foi o protagonista do seriado Vigilante Rodoviário, o primeiro super herói brasileiro.
Ele participaria de algumas ações e eventos para a Polícia Rodoviária Federal e faria um vídeo institucional.
Mas havia um problema: teríamos de arrumar uma motocicleta Harley Davidson dos anos sessenta que tinha de passar a marcha na mão, a famosa “munhequeira”.
No país, somente o Inspetor CUNHA de Goiás tinha a referida moto em perfeito estado de conservação e que funcionava perfeitamente.
Todos os contatos foram feitos e o inspetor foi convidado a vir a Brasília participar das filmagens e com ele viria a famosa motocicleta Harley Davidson anos sessenta, de difícil pilotagem, e que passava marcha na mão pelo lado direito.
Quando a moto chegou em Brasília e o Vigilante Rodoviário viu a máquina como era no seu tempo de filmagens do seriado. Encheu os olhos de água, pois ela funcionava perfeitamente depois de mais 35 anos. O Inspetor Cunha não cabia em si de emoção em conhecer pessoalmente o Vigilante Rodoviário de quem era fã, sem saber que o verdadeiro vigilante rodoviário era ele. Ele era o vigilante rodoviário que havia inspirado o personagem. Ele era o real, o próprio policial das estradas que na inversão dos papeis era fã do personagem.
Na hora em que fomos organizar a filmagem do vídeo institucional, precisávamos que o vigilante rodoviário pilotasse a motocicleta e acenasse para a câmara.
– “Mas eu não sei mais pilotar esta moto”, disse o vigilante rodoviário muito sem graça.
Sendo que a moto estava sendo pilotada o tempo todo pelo nosso verdadeiro vigilante, Inspetor Cunha.
– “Vamos fazer o seguinte”, disse o Inspetor Cunha, “colocamos a moto em uma descida e ele pilota como se estivesse realmente no controle da moto”.
E foi criado mais um problema. Achar um morro no Planalto Central, uma descida.
Para isso, levamos a moto até o alto da Granja do Torto onde fica o Parque de Exposição em Brasília. Chegando lá, o Inspetor Cunha, com toda a calma que lhe era característica, manobrou a moto, colocou o descanso. O Vigilante Carlos pediu para desligar a moto e, enquanto fomos empurrando a moto morro abaixo – na verdade uma pequena ladeira – ele ameaçou um aceno. Neste momento, com pouca velocidade, a moto pendeu para um dos lados, perdeu o equilíbrio e foi ao chão.
De um lado a moto super conservada do Inspetor Cunha dos anos sessenta caída no chão, do outro o Vigilante Carlos. Não houve ferimentos, mas notava-se que ele estava super chateado por não saber pelo menos fingir pilotar sua antiga companheira.
– “Vamos de novo!”, insistiu o Inspetor Cunha, dando força ao seu ídolo.
Novamente a moto foi posicionada no alto do morro, empurrada e ele veio ladeira abaixo.
No começo tudo ia bem, fez até um aceno para a equipe, mas logo percebemos que a roda da frente moveu-se de leve para um dos lados, ela balançou, balançou, ele tentou equilibrar e novamente chão. Só que desta vez ela prendeu o pé do Vigilante Rodoviária entre o estribo e chão e percebemos logo que a situação saíra do controle. Levantamos a pesada moto e ele ficou em pé, mas mancava um pouco.
Ficamos preocupados: o Carlos Miranda já estava com seus setenta e poucos anos de idade. Percebemos que ele estava mais ferido em seu interior, pois depois de tantos anos a mesma moto Harley que lhe proporcionou tanta fama nos anos 60 e 70 agora era um problema.
Acabamos a filmagem com o Vigilante do lado da moto, com o tornozelo inchado, e seu orgulho ferido. Mas acenava como todo bom artista e o filme ficou ótimo.
O nosso Inspetor Cunha, fã que sempre foi do personagem Vigilante Rodoviário não perdeu a posse. Mesmo depois de ver sua preciosidade com a bolha trincada e um arranhão no tanque.
– “Depois a gente arruma. O importante é que o nosso herói não se machucou”, disse.
Este era nosso Inspetor Cunha. Homem alegre, sempre positivo mesmo nas intempéries da vida, mesmo quando percebia nos policiais mais novos a falta de conhecimento e o total despreparo para ministrar cursos. Ele sempre superava estas indiferenças inerentes aos novatos com seu sorriso, que transmitia amizade e que o tempo sempre provava que ele estava certo.
Com sua morte, hoje, dia 20 de novembro de 2012, A Polícia Rodoviária Federal, a segurança pública perde um grande policial, um excelente inspetor, o nosso melhor motociclista: Manoel Souza da Cunha, o famoso e querido INSPETOR CUNHA.
Ele deixa além da mulher, cinco filhos e três netos.
Durante a carreira recebeu dezenas de homenagens pelos anos de trabalho e instruiu mais de 300 policiais a serem motociclistas.
Durante sua vida na instituição trabalhou 39 anos sendo oito a mais do que deveria.
Fez mais de 500 escoltas a autoridades do Brasil e do mundo, como o Presidente Médici e o Papa João II.
Realmente uma grande perda.
Que descanse em paz Inspetor Cunha.
Inspetor D.Lucas Barbosa
Brasília, 20 de novembro de 2012.