Mérito garantirá salarios, porém, o adcional não é pago as carreiras típicas de estado
Mérito garantirá salários
Um assunto considerado tabu há quase 40 anos na administração pública finalmente saiu da gaveta. Por força de um decreto baixado no mês passado, ministérios, fundações e autarquias federais começam a discutir critérios e procedimentos que serão adotados para as avaliações de desempenho. Servidores de 48 carreiras — algo em torno de 200 mil pessoas — terão de atingir metas se quiserem continuar recebendo a gratificação atrelada ao salário do mês. Trata-se de algo inédito no funcionalismo. Hoje, não há regulamentação alguma.
O adicional que compõe a remuneração de quem está na ativa é fixo e equivale a 80 pontos de uma tabela que vai até 100. Os aposentados recebem 50% do bônus. Esses índices foram definidos por consenso ao longo dos anos entre governos e entidades sindicais. O que a União propõe agora é uma revisão completa do sistema, acabando de vez com o “faz de conta” corporativista encenado por gestores e subordinados. “É um processo mais transparente e participativo”, resume Simone Velasco, da coordenação-geral de avaliação de desempenho da Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento.
Para ter direito ao extra no contracheque, o servidor terá de se sair bem na avaliação individual e na institucional a que será submetido regularmente. Assim como ocorre nas empresas privadas mais competitivas, as equipes de trabalho e as chefias vão traçar planos de trabalho em conjunto, definir prazos para alcançar os objetivos listados e indicar de que modo pretendem obter os melhores resultados. A avaliação individual do servidor está dividida em três: 15% referentes à autoavaliação, 60% àquela feita pela chefia imediata e 25% correspondentes à média das notas dadas pelos colegas (25%). Essa leva o nome de avaliação 360º.
Tudo ainda é novidade. Nos próximos meses, os órgãos vão editar portarias com critérios e procedimentos específicos. Mas há quem esteja na frente. São os casos das agências reguladoras, que deverão anunciar antes de todos seus planos de avaliação. Para Simone Velasco, o decreto cria possibilidades nunca antes imaginadas na máquina pública. Segundo ela, abrem-se as portas para a gestão por competência e a consolidação da meritocracia. “A proposta é transformar algo que antes era visto como um instrumento em ferramenta de gestão de pessoas”, lembra.
Boa parte das deficiências na prestação dos serviços é atribuída pelos servidores à própria burocracia ou à falta de estrutura e organização. O governo reconhece esses gargalos. Por isso, decidiu dar tempo (um ano) para que os órgãos definam suas estratégias, integrem as equipes e difundam as informações básicas internamente. O mecanismo de pontos passará a valer somente quando o órgão estiver pronto a colocar em prática sua nova política de gestão de recursos humanos
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O Ministério do Planejamento vai monitorar os processos do início ao fim. Os profissionais que tiverem avaliação individual inferior a 50% do total de pontos passarão por processos de capacitação e reciclagem. A promessa é oferecer cursos que impulsionem a carreira e façam com que o trabalho em equipe renda mais. Haverá comissões formadas por servidores que acompanharão o processo. Entre outras tarefas, essas instâncias vão julgar eventuais pedidos de reconsiderações de notas.
Grupo de elite
Seis carreiras que estão em órgãos da linha de frente da administração federal não se submetem às determinações do decreto que revoluciona a gestão da máquina pública. A justificativa apresentada pelo governo é de que Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Tribunal Marítimo, Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e Ministério da Saúde (pessoal que faz auditoria do SUS) contam com sistemas de avaliação considerados modelo. As universidades também estão fora.
No Inmetro, por exemplo, há um contrato de gestão assinado com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que, renovado ano após ano, garante ao órgão autonomia administrativa e gerencial. A contrapartida vem em forma de metas de desempenho, que devem ser cumpridas religiosamente. A avaliação de implantada pela autarquia é classificada como ideal: o servidor discute com a chefia planos de trabalho individuais, traça o caminho a seguir e se compromete a chegar aos resultados em um prazo definido.
O sistema adotado no Inmetro é flexível, podendo ser mexido a qualquer tempo de acordo com a necessidade. Um Comitê de Avaliação de Desempenho — grupo formado, em sua maioria, por especialistas de fora do quadro funcional — faz análises periódicas. As notas concedidas podem acarretar ganhos de até 100% sobre o contracheque normal. Os 48 órgãos que atualmente pagam gratificações de desempenho a seus funcionários deverão apresentar planos semelhantes ao do Inmetro.
E EU COM ISSO
Ninguém gosta de ser avaliado, mas no setor público a resistência é bem maior do que na iniciativa privada. Isso ocorre porque o funcionalismo se acostumou a culpar a burocracia por quase tudo de errado. Se a fila está grande, é por falta de funcionários. Se há demora no atendimento, a falha é do computador. Com o decreto que regulamenta a avaliação de desempenho, os servidores terão de prestar melhores serviços se quiserem ganhar mais no fim do mês. Pode não ser uma garantia de que os órgãos públicos vão funcionar direito sempre, mas é um começo, sobretudo se o corporativismo não deixar que uma medida tão importante caia no esquecimento. O contribuinte, que a cada ano vem pagando mais impostos e não vê benefícios a seu favor, agradece. E, certamente, vai cobrar.
O número
60%
Peso das notas dos gestores no cômputo geral do processo
Entrevista – Simone velasco
“Uma mudança de cultura”
Com participação, critérios objetivos e transparência, Simone Velasco, da coordenação-geral de avaliação de desempenho da Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento, acredita que a implantação da política de avaliação de resultados será bem-sucedida na administração pública. A seguir, os principais trechos da entrevista que ela concedeu ao Correio Braziliense.
O decreto coloca as coisas nos eixos?
Acredito que sim. Estamos no momento de fortalecer o sistema de mérito na administração. A gente não pode mais deixar que o servidor evolua na carreira apenas pelo tempo de serviço. Ele tem de dar uma contribuição nos resultados da instituição. Um processo desse é uma mudança de cultura muito grande.
Mas isso mexe com o bolso das pessoas.
A proposta é bastante moderna. A gente espera conseguir ótimos resultados. Há um processo participativo, haverá a pactuação de um plano de trabalho no início do ciclo de avaliação. Ou seja, a chefia vai sentar com a equipe e formular um plano com as principais ações, especificando os processos e atividades de cada um. Isso vai contar pontos. O critério é mais objetivo. Tudo relacionado a metas intermediárias e metas institucionais. A avaliação será em 360º: eu me autoavalio, a chefia imediata faz a avaliação dela e ainda há a avaliação entre os pares. A remuneração do servidor é variável sim, mas ela é diluída nesses três agentes. A pessoa sabe que tem de fazer um bom trabalho em equipe. Isso será acompanhado e ela saberá dos resultados parciais. A pessoa só não vai ser bem avaliada se não se interessar, se não se envolver com o processo.
Como ficam os aposentados?
O decreto só se aplica para servidores ativos. Hoje, os aposentados recebem 50% do valor da gratificação. É fixo. Isso não muda.
Bancos têm metas draconianas. O sistema será parecido?
Todo o trabalho tem uma preocupação com os processos, com as atividades, com o acompanhamento. Cada órgão terá uma comissão. Elas são a última instância de recursos. A partir do resultado que o servidor obtiver na avaliação, haverá duas instâncias de recursos, caso o funcionário se sinta insatisfeito com a nota: o pedido de reconsideração poderá ser feito diretamente para a área de RH do órgão e ainda tem a comissão, que a é a última instância.
O servidor deve temer alguma coisa?
Não. É um processo que vai ajudar muito o servidor. Vai melhorar a relação dele com a chefia, com a equipe. Haverá espaço para a discussão. É um processo muito participativo. E o objetivo é melhorar a qualidade do serviço público para melhorar a oferta de serviço ao cidadão.
Fonte: Correio Braziliense