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ÉPOCA Debate: Como melhorar a segurança

Trechos do debate
A primeira edição de ÉPOCA Debate vai discutir o que o governo federal deve fazer para melhorar a polícia e combater a criminalidade
RICARDO MENDONÇA

Nos últimos anos, alguns estudiosos assumiram a defesa do modelo de ciclo completo. Um deles é o advogado Denis Mizne, diretor do Instituto Sou da Paz. “Reformar a polícia deveria ser um projeto prioritário do próximo governo. Ele precisa ganhar a mesma urgência da reforma tributária ou previdenciária”, diz Mizne. “O governo federal alega que as polícias são estaduais e fica se escondendo da discussão. Deveria ser o contrário: como não tem polícia, deveria usar isso a seu favor. Politicamente, é mais fácil liderar uma reforma sem ter de enfrentar as corporações.”

Outro defensor da ideia é o sociólogo Marcos Rolim, consultor de órgãos públicos em segurança e direitos humanos. “O atual modelo, herança da ditadura, faz com que cada Estado tenha duas metades de polícia. Comprovadamente não funciona. A tendência mundial é a multiplicação das polícias, com divisões por região ou por tipo de crime”, disse Rolim na semana passada, durante um debate promovido em São Paulo pela candidata do PV à Presidência, Marina Silva. “Entendo que a divisão por modalidade também criaria competição, mas a competição exitosa.”

 

Melhorar o uso do Fundo Nacional de Segurança Pública
O principal instrumento do governo federal para influenciar a política de segurança dos Estados são as verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública. O fundo dispõe de R$ 300 milhões por ano para ajudar os governadores a comprar armas, viaturas, rádios e outros equipamentos. O fundo foi criado no ano 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, num período crítico de violência. A liberação do dinheiro ocorre conforme a apresentação de projetos. Apesar de ter crescido nos últimos anos, a verba do fundo é insuficiente para as demandas de 26 Estados e do Distrito Federal.

A mais importante reivindicação diz respeito aos critérios de uso do fundo. “O governo poderia associar a liberação desse dinheiro a exigências como melhoria das estatísticas policiais, políticas reais de prevenção, melhoria da gestão, queda da letalidade, respeito aos direitos humanos, fortalecimento da corregedoria e melhoria das cadeias”, diz Mizne. “A regra não precisa ser complexa: Estado que mantém gente presa em contêiner não recebe dinheiro federal”, afirma Rolim.

Aumentar a profissionalização da Polícia Rodoviária Federal

Uma das marcas do governo Lula, mote de propaganda do PT, é a modernização da Polícia Federal. A PF recebeu investimentos e passou a ter uma atuação mais destacada, com operações sofisticadas de investigação. Apesar disso, não há notícia de avanço semelhante na Polícia Rodoviária Federal, órgão que responde ao mesmo Ministério da Justiça. “A Polícia Rodoviária continua aparelhada politicamente”, diz Soares.

O governo não concorda com esse diagnóstico. “A imagem da Polícia Rodoviária não é mais compatível com sua realidade. Nos últimos anos, seu efetivo passou de 7 mil para 10 mil homens, os salários dobraram, ela atraiu gente mais qualificada, foi equipada e passou a ter um leque maior de atuação: agora também combate delitos e presta socorro”, diz o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. “Uma prova disso é que, hoje, a Polícia Rodoviária apreende mais drogas que a PF. Em 2009, prendeu 111 mil pessoas e apreendeu 12 mil armas.”

Criar mais presídios federais
O país tem quatro presídios federais, mas há uma sobra de 300 vagas nessas cadeias, segundo o Ministério da Justiça. Isso ocorre porque o modelo foi desenvolvido com uma missão específica demais: desonerar os Estados da custódia dos presos mais perigosos. A ideia funcionou. Não há notícia de fugas ou abusos internos. Mas o modelo é limitado. Se os presos condenados pela Justiça Federal fossem enviados para os presídios federais, haveria enorme déficit de vagas. Para atender esse público, seria necessária a construção de pelo menos um presídio federal por Estado.

Outra ideia relacionada a presídios, defendida por Luis Flávio Sapori, ex-secretário de Segurança de Minas Gerais, é criar cadeias específicas para prisões temporárias. Isso serviria para não misturar os presos condenados com aqueles que são detidos apenas para averiguação e facilitaria a gestão do sistema.

O envolvimento insuficiente do governo federal com os Estados na construção de presídios também merece maior atenção. O país tem hoje cerca de 500 mil presos, 180 mil a mais que o número de vagas. Desse total, cerca de 80 mil ainda estão em delegacias, completamente inadequadas para a custódia. Seria essencial estabelecer uma política nacional para a construção de novos presídios. Nos casos mais graves de falta de vagas, há presos em contêineres, algemados em pilares ou em corredores do lado de fora da cela. A construção de novos presídios serviria não apenas para acabar com esses casos escandalosos de desrespeito aos direitos humanos. Colocar mais criminosos na prisão e mantê-los presos também é um fator diretamente ligado à redução da criminalidade.

Melhorar a distribuição de verbas do Pronasci
O governo Lula criou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o Pronasci. Trata-se de um fundo de R$ 1,4 bilhão para financiar mais de 90 medidas de prevenção. Mais da metade da verba, porém, está concentrada num único projeto: uma bolsa de R$ 400 por mês para policiais de todo o país que fazem cursos de qualificação a distância. “O Pronasci poderia ser mais bem aproveitado como instrumento de indução de políticas se não estivesse tão concentrado nas bolsas”, diz Mizne. Barreto, o ministro da Justiça, reconhece que o programa está muito concentrado em apenas um aspecto, mas diz que isso foi “estratégico para atender a uma demanda urgente” e que, com o tempo, essa concentração tende a diminuir.

Diminuir a certeza de impunidade
A sociedade brasileira pune mal. E, quando pune, faz isso de forma desigual e com violência. “Um dos grandes eixos de uma nova política de segurança tem de ser a diminuição da impunidade”, diz Sapori. Vários dados corroboram essa afirmação. O primeiro é a baixíssima taxa de esclarecimento de homicídios, em torno de 5% dos casos – 95% dos crimes ficam impunes. Como nem todos os crimes esclarecidos resultam em condenação, muitas vezes por causa das possibilidades quase ilimitadas de recursos judiciais, a punição efetiva para criminosos é quase residual. Mesmo depois de preso, um criminoso com acesso a bons advogados (em geral, os mais perigosos) tem à disposição um arcabouço legal formidável para obter reduções de pena. As leis que garantem essa certeza de impunidade precisam mudar.