O advogado e professor de Direito Penal e Processual Penal Luiz Flávio Gomes sugeriu nesta quarta-feira que a legislação brasileira não especifique o teor de álcool necessário para caracterizar a embriaguez de motoristas. O advogado, que participou de audiência pública na Câmara, disse que a especificação introduzida pela Lei Seca no Código de Trânsito Brasileiro Lei 9.503/97 atrapalha a caracterização dos crimes de trânsito por embriaguez e favorece a impunidade de condutores bêbados.
Atualmente, a lei considera crime dirigir veículo estando com mais de 0,6 gramas de álcool por litro de sangue – a pena é de seis meses a três anos de detenção, além de multa e suspensão da habilitação. Gomes lembrou que, para comprovar a embriaguez, o condutor deve soprar o bafômetro ou fazer exame de sangue. Ou seja, deve produzir prova contra si mesmo.
Em São Paulo, disse ele, 80% dos condutores se recusam a se submeter ao exame e não comprovam a condição de embriaguez. Ele ressaltou que essa comprovação pode ser feita por outros meios, como fotografias e testemunhas, sem a necessidade de quantificar o nível de álcool.
Então, tira o 0,6 e muda a redação da lei para dirigir embriagado sob influencia de álcool ou substância análoga apenas, defendeu Gomes, na audiência promovida pelas comissões de Viação e Transportes; e de Constituição e Justiça e de Cidadania para discutir a adequação das normas sobre crimes de trânsito.
O relator da Subcomissão Especial para a Reforma do Código de Trânsito, deputado Marcelo Almeida (PMDB-PR), e o presidente da Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, Marcelo Araújo, também defenderam a retirada da dosagem da lei. A alteração, disse Araújo, deve simplificar o trabalho do Poder Judiciário. O juiz deve ter instrumentos para um julgamento mais justo, melhor, disse o advogado.
Já o presidente da subcomissão especial e relator do texto que deu origem à Lei Seca, deputado Hugo Leal (PSC-RJ), defendeu a manutenção da dosagem de álcool no Código de Trânsito Brasileiro. A medida está prevista no artigo 306.
Para ele, basta apenas aperfeiçoar esse artigo, acrescentando outras medidas, como exame clínico e existência de notórios sinais de embriaguez do condutor, já previstas em outros itens do código. A dosagem mínima de álcool no sangue, na opinião de Hugo Leal, é importante para caracterizar o crime de trânsito.
Dolo eventual
A Subcomissão Especial para a Reforma do Código de Trânsito analisa 170 projetos que tratam de crimes de trânsito ou fazem alterações gerais na lei. O advogado Luiz Flávio Gomes sugeriu que os parlamentares também levem em consideração, nessa análise, a possibilidade de criar um novo tipo penal – o de dolo eventual no trânsito.
Tem que ser um crime autônomo, diferente, específico. Na Espanha, é a chamada condução temerária ou suicida. Seria conduzir veículo em via pública com temeridade manifesta e total desapreço à vida alheia, explicou.
Gomes defendeu ainda a diferenciação entre a infração administrativa e o crime de fato no caso das ocorrências de trânsito. No administrativo, não precisa que a pessoa esteja conduzindo anormalmente. Ela pode conduzir corretamente, mas haverá infração se tiver bebido. No crime, você precisa de uma condução anormal. Ou seja, dirigir em zigue-zague, passar os sinais vermelhos, subir uma calçada, bater em uma árvore. Isso é o crime.
Em relação às punições, o advogado afirmou que a pena para homicídio culposo no trânsito, hoje de dois a quatro anos de detenção, deve ser dobrada no caso do motorista estar embriagado.
Anteprojeto
O deputado Marcelo Almeida disse que levará as sugestões feitas na audiência em consideração na elaboração de seu relatório. Ele acredita que será possível votar nos próximos 30 dias, na Comissão de Viação, um anteprojeto de lei com a compilação de todas as propostas em análise. As divergências, afirmou ainda, serão decididas na votação.
Também participaram da audiência os deputados Beto Albuquerque (PSB-RS) e Lázaro Botelho (PP-TO) e os presidentes das comissões de Viação, Milton Monti (PR-SP), e de Constituição e Justiça e de Cidadania, Eliseu Padilha (PMDB-RS).
Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Daniella Cronemberger
fonte: www2.camara.gov.br